segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Olhando Por Este Lado.





Acordou mais uma vez cedo, tinha uma vontade do tamanho da sua barba. Acordava cedo pois se sentia importante demais para ficar sem fazer nada, rolando na cama. Não gostava de perder tempo, não se dava esses ‘luxos’. Se achava tão importante, que ao pegar o elevador, chegando em sua casa, tratava logo de procurar a chave de casa e deixá-la em mãos, pronta para a ação. Não gostava de deixar a porta de casa lhe encarando por muito tempo. Era de compensado, fosse ainda de jacarandá. Fazia-se sério, às vezes forçava para não rir, só para manter a fama de carrancudo que lhe acompanhava na carteira de identidade.

No trabalho era o primeiro a chegar, chegava antes mesmo de a firma abrir, não pergunte por quê. Seu trabalho tinha a ver com o bem estar dos outros, a saúde da população em geral. Procurava, sempre que podia, se atualizar em sua área, comprava instrumentos de trabalho novos e tudo mais que lhe estava ao alcance. Adorava falar com os outros sobre sua profissão. Dizia sempre “vocês não sabem nada sobre meu trabalho”.

Tinha mulher e filhos, a mulher tinha um empregozinho num escritório de advocacia. Era formada em direito, mas o marido sempre achou que ela não precisava trabalhar, afinal de contas, ele era o Homem da casa. Dizia sempre “mulher, larga este emprego, vai ser Dona de casa”. Era meio machista.

Era meio conservador sim, mas que mal faz um homem querer que sua mulher fique em casa enquanto ele trabalha? A mulher, sempre bem educada, falava “acho melhor nós continuarmos contando com o que eu ganho amor”, mesmo ele achando desnecessário. Mas estas discussões nunca se prolongavam muito, ele se achava muito importante para perder tempo com uma discussão que ele sabia que estava certo. Era convencido.

Era meio sincero às vezes sim, e qual o problema disso? Outro dia durante o trabalho, quis ensinar um cliente a dar nó num saco plástico, pois o achou tão burro que não deveria nem saber fazer uma coisa simples assim. Quase lhe custou o emprego, mas convenceu o patrão de que só tinha feito, porque se fazia necessário. Dizia sempre “só faço no trabalho o que é necessário para o trabalho”. O patrão ficou meio confuso mas o deixou convencer. Era bom de enrolar as pessoas.

Era bom em justificativas e tinha uma ótima lábia sim, e isso lhe trazia o pão pra casa. Afinal de contas quem nunca inventou um história antes de chegar atrasado no trabalho ou em casa? Outro dia esquecera de um jantar, em comemoração aos 10 anos de casado, só porque ficou tão intrigado com um pêlo que nascera bem em cima do mamilo esquerdo. Era meio egoísta.

Era centrado e tinha foco mesmo. Afinal de contas quem não quer ter um tempo no dia para si mesmo? Ele não era diferente, vivia um mundo a parte, só seu. Mas que mal educado sou eu, nem o apresentei, seu nome é Francisco, tem um metro e setenta de altura, casado, brasileiro, em sua ficha de saúde consta como autista, mas eu não acredito muito nisso.

Ah, a firma onde trabalha se chama Limpe Bem, é lixeiro.

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